terça-feira, 21 de outubro de 2014

QUESTÕES E MAIS QUESTÕES...



No último domingo, dia 19 de outubro, eu participei de uma mesa de perguntas e respostas que aconteceu na III Fiesta Gitana, organizada e produzida pelo amigo Ricardo Samel. O formato, inovador para as festas do gênero, consistiu em perguntas que eram feitas por escrito pelos convidados e depois sorteadas na mesa, por mim ou pela escritora e amiga Cristina da Costa Pereira. 

Em virtude do tempo, algumas perguntas ficaram sem ser respondidas e nós, Cristina e eu, nos comprometemos com respondê-las depois, via e-mail e internet. Conforme o prometido, sorteamos as oito questões restantes e cada um de nós levou quatro para casa. Posto aqui as minhas:

1 - "De qual continente vieram os ciganos?" 

Essa é bastante simples: da Ásia. Existe muita controvérsia quanto à origem dos rhomá (ciganos). A hipótese mais aceita, por conta de evidências linguísticas e genéticas, é a de que tenham vindo do noroeste do subcontinente indiano, da região onde hoje se situam o Paquistão e o estado indiano do Rajastão. Outras hipóteses dariam conta de uma possível origem semítica ou de um povo anterior às invasões árias que deram origem ao próprio povo indiano. Mas todos parecem concordar que a origem dos ciganos se deu no continente asiático.

2 - "Por que o cigano é um povo nômade?" 

Essa não é uma questão de resposta simples. Por tudo o que sabemos e já conseguimos reconstruir da diáspora romani, o nomadismo não parece ter sido uma escolha, mas uma imposição, já que os ancestrais do povo rhomá (ciganos) foram expulsos de suas terras originais durante as invasões islâmicas no século XI ou foram levados como escravos, nesta mesma época, para a Pérsia. Da Pérsia, teriam partido rumo ao oeste por causa do acirramento dos conflitos religiosos entre cristãos e muçulmanos, ou seja, novamente por força das circunstâncias. Já na Europa, onde uma parte penetrou pelo Bósforo, na Grécia, e outra parece ter entrado pelo Estreito de Gibraltar, eles sofreram perseguição desde o início e nunca puderam permanecer por muito tempo no mesmo lugar.

Com o tempo, acabou se criando uma noção romantizada do nomadismo, em que ele é associado a um “espírito livre”, uma natureza indomável que seria característica dos rhomá. Muitos rhomá, inclusive, tomaram para si essa ideia, a exemplo do famoso poeta Spatzo (de origem sinti), que dizia: “o céu é meu teto, a Terra é minha pátria e a liberdade é a minha religião”. Mas essa parece ter sido uma tendência originada do hábito romani de abraçar o próprio destino e tirar forças da adversidade. Então podemos dizer que o nomadismo foi, a princípio, uma imposição, depois entendido como uma espécie de sina e hoje é interpretado pela maioria dos gadjé (não-ciganos) e também alguns rhomá como uma expressão de liberdade.

3 - "Em que local do Brasil existe a maior comunidade cigana?". 

Em Sousa, na Paraíba. Uma comunidade que começou a se formar nos anos 50 e hoje é composta por três ranchos em que vivem cerca de 1500 famílias.

Há um curta-metragem disponível na internet, que foi produzido a partir de vídeos feitos por um adolescente da própria comunidade. Nele, é possível conhecer um pouco da realidade desses ciganos e dos problemas que eles enfrentam. Segue o link para assistir o vídeo: 


4 - "O que você ou nós poderíamos fazer para divulgar mais essa cultura, que estou começando a conhecer e acho bonita?"

Bom, a primeira coisa que você deve ter em mente é aprender o máximo que lhe for possível sobre a cultura antes de pensar em divulgá-la. Os rhomá, atualmente, estão num processo de organização política, começando a brigar por direitos e visibilidade. Neste processo, pessoas como eu, Cristina da Costa Pereira, alguns artistas e intelectuais, ciganos e não-ciganos, já estamos trabalhando para trazer mais informação sobre nossa cultura, com vistas mesmo a enfrentar o preconceito. Mas confesso que nosso maior desafio tem sido desconstruir informações equivocadas geradas, principalmente, por pessoas que misturam o povo rhomá com crenças religiosas completamente estranhas à etnia (algumas até bem intencionadas, outras nem tanto...). Então meu conselho, já que você acha bonita a nossa cultura, é para que estude e procure se informar da melhor maneira possível, em fontes confiáveis, sobre nosso povo. Simplesmente fazendo isso, você já estará ajudando muito mais do que pode parecer.

Um forte abraço e o meu muito obrigado a todos.