quarta-feira, 30 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO E OS CIGANOS




Em 2001, foi realizada em Durban, África do Sul, a Primeira Conferência Mundial contra o Racismo convocada pelas Nações Unidas. Estiveram presentes trinta presidentes e chefes de governo de todo o mundo e 166 ministros das Relações Exteriores, serviços sociais ou de trabalho. Além disso, como expectadores, estavam presentes dezenas de ONGs, bem como as organizações mais representativas de movimentos sociais e direitos humanos do planeta. A delegação oficial espanhola foi chefiada pelo Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, Juan Carlos Aparicio, bem como o Secretário-Geral de Assuntos Sociais, Concepción Dancausa. Da mesma forma, na condição de expectadores, o ministro decidiu convidar outras pessoas entre as quais estavam Sauquillo, o Professor Tomas Calvo Buezas e o presidente da Unión Romani para acompanhar o desenrolar da Conferência.

Foi assim que eu vi o início da Conferência:

Cheio de entusiasmo cheguei a Durban e creio que fui um dos primeiros a instalar-me no Centro Internacional de Convenções, a fim de obter um bom lugar para ver e ouvir de mais perto possível a maior parte dos líderes mundiais.

A aparência do plenário da conferência era impressionante. Ela foi dividida em três partes. A primeiro foi uma espécie de palco montado acima do nível do chão. No centro do palco, havia uma mesa decorada com a bandeira da ONU. Depois sentou-se para presidir a cerimônia de abertura o Sr. Thabo Mbeki, Presidente da República da África do Sul e o então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. E à direita, sobre outras plataformas que se alinhavam elevadas como em uma escada, foram colocadas as cadeiras mais vistosas e elegantes, onde se sentaram os chefes de Estado que naquele momento estavam na cidade. Foi aí que eu vi, pela primeira vez, Fidel Castro, Yasser Arafat, e o resto das personalidades que ocupavam os lugares de privilégio.

A segunda divisão do salão, que começava aos pés do palco, era destinada aos representantes Oficiais dos 160 Estados presentes na Conferência. Cada delegação teve uma pequena mesa sobre a qual havia um grande cartaz com o nome do país que devia ocupar aquele lugar, e, imediatamente atrás da mesinha, quatro cadeiras, duas na frente e duas atrás, vestidas com um tecido vermelho vistoso. Imediatamente eu vi a que correspondia à Espanha e esperei ansiosamente a chegada de nossos representantes oficiais.

A terceira parte do salão, onde eu estava, foi reservada para os expectadores credenciados pelos respectivos governos. Neste espaço não havia lugar designado e todos poderiam sentar-se onde achassem melhor. A separação entre os expectadores e os ministros consistia numa faixa de cerca de quatro metros de largura sobre a qual foram colocados uma série de suportes verticais de um metro de altura, devidamente separados. Esses suportes serviam para segurar um grosso cabo azul entrançado que os ligava uns aos outros por um gancho na parte superior das colunas separadoras. Nesta faixa, havia vários policiais elegantemente uniformizados, que, suponho, estavam ali para garantir a separação entre o espaço dos senhores ministros e o dos demais.

O ministro espanhol não aparecia em parte alguma.

Em poucos minutos o salão estava lotado. As grandes personalidades tomaram seus lugares e os ministros, acompanhados por seus assessores, foram ocupando as mesinhas a eles destinadas. Mas eu comecei a ficar nervoso quando vi que já não faltava mais ninguém e a mesinha reservada para a delegação oficial espanhola continuava vazia. Por fim, momentos antes de o Secretário-Geral das Nações Unidas anunciar o início da conferência, a delegação espanhola entrou e ocupou seus lugares. Foram os embaixadores da Espanha em Joanesburgo e para as Nações Unidas e um funcionário do Ministério. Mas eram apenas eles três. Faltava o ministro, cuja cadeira permaneceu vazia.

A solenidade de abertura começou e eu ouvi atentamente as intervenções de tantas e importantíssimas personalidades. Devo dizer que, logo de início, o Secretário-Geral da ONU advertiu que seria muito rigoroso na gestão do tempo concedido aos oradores que seria o seguinte: os senhores presidentes e Chefes de Estado disporiam de dez minutos e os senhores ministros de cinco minutos cada um.

Mas a sessão continuava, o tempo avançava e o ministro espanhol não chegava. Meus olhos permaneceram fixos em sua cadeira vazia. Assim, terminaram de falar as mais altas personalidades, e foi então que Koofi Annan deu a palavra aos ministros presentes, advertindo-lhes de que seria muito rigoroso na administração do tempo a eles destinado. Então, dirigindo-se a Assembleia, ele disse:

— Senhores ministros que desejam fazer uso da palavra no próximo turno, manifestem-se em voz alta pondo-se em pé.

Meu humor era o de um vulcão em erupção. O ministro espanhol não chegava e a Espanha perderia a oportunidade de marcar a sua posição sobre o racismo e a discriminação em uma ocasião irrepetível. E começaram a ouvir-se as vozes dos representantes oficiais dos Estados manifestando o seu desejo de falar:

— Canadá, disse o ministro norte-americano; Letônia, Filipinas, Cuba, México. Foram dez os ministros que desejaram intervir. E o nosso ministro não apareceu. Eu esperava que algum dos embaixadores levantasse a voz em nome do nosso país, a fim de dar tempo ao nosso ministro que ainda não havia chegado. Mas eles não o fizeram. E naquele momento eu tomei uma decisão ousada sem medir bem suas possíveis consequências. Levantei-me rápido e pulei o cordão azul que separava os expectadores dos representantes oficiais. Os policiais próximos ficaram tão surpresos que não foram capazes de agir para impedir a corrida rápida com a qual cheguei à mesa que comportava o cartaz do nosso país. Sentei-me na cadeira reservada para o nosso ministro e, a partir dela, dirigindo-me a presidência da Conferência, eu disse:

— Espanha!

Eu tremia como as folhas das árvores. Do fundo do meu coração, eu pedi a Deus para que o ministro aparecesse, para que pudesse fazer uso da palavra quando fosse chamado pela tribuna. Os membros da delegação me disseram que o avião em que vinha [o ministro] para a África do Sul estava atrasado e que também esperavam que, a qualquer momento, ele poderia chegar. No entanto, devo dizer que, embora eles tenham me tratado com respeito, me advertiram de que meu comportamento poderia me trazer consequências muito graves; que eu havia feito uso de uma prerrogativa que não era minha e que falar em nome da Espanha, quando não se tem a legitimidade ordinária para fazê-lo, poderia ser um delito penalmente imputável.

— Por Deus, por Deus, que apareça o ministro – eu pedia do fundo do meu coração. Mas o ministro continuava sem aparecer quando trovejaram em meus ouvidos as palavras do Secretário-Geral das Nações Unidas, dizendo:

— Tem a palavra o senhor Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, representante do Reino da Espanha.

E eu me levantei e comecei a falar, embora meus companheiros acidentais de mesa tenham me advertido para que medisse bem minhas palavras no intuito de não provocar nenhum tipo de conflito diplomático. 

Eu fiz o meu discurso. Comecei dizendo que eu não era o Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais da Espanha, mas, em sua ausência, acreditava que poderia expor na Conferência a realidade do meu país e do mundo no que diz respeito aos tratamentos racistas e preconceituosos que sofriam os membros da minha comunidade, os ciganos, na maioria dos países membros das Nações Unidas.

Devo dizer, com certo rubor, que enquanto o presidente da Conferência advertiu a alguns ministros de que seus cinco minutos tinham acabado, foi especialmente generoso comigo, porque eu estava expondo a minha história por quase nove minutos e ele não chamou a minha atenção.

Ao terminar, me sentei na cadeira ministerial e fiz o gesto de voltar ao lugar dos expectadores, mas meus “momentâneos” companheiros de Delegação me disseram que não o fizesse e que permanecesse sentado onde estava.

E foi nesse momento que o Presidente da República de Cuba, Fidel Castro, tomou a palavra para responder a minha fala. Já se passaram anos e ainda me excita a memória de suas palavras. Mais ou menos, ele disse o seguinte:

— Quero manifestar aqui o meu total acordo com o que disse o representante da Espanha. A luta do povo cigano para defender seus direitos deve ser apoiada por esta Conferência e isso deve constar na sua declaração final. As palavras do representante espanhol foram palavras oportunas, cheias de legitimidade e sentido comum.

A partir daí, Fidel Castro se manifestou como o Fidel Castro que todos conhecemos. Uma vez no uso da palavra, a fim de apoiar o que eu havia dito, ele começou a contar sua experiência com os ciganos europeus, especialmente aqueles que viviam sob algum regime comunista dependente da União Soviética. Ele mostrou um especial conhecimento sobre a vida dos ciganos romenos, sobre os quais, disse, havia conversado em alguma ocasião com o presidente do país, Nicolae Ceausescu.

Quando a sessão terminou, tive que atender a muitos meios de comunicação e, especialmente, aos espanhóis que, mais uma vez, manifestaram sua complacência por minhas palavras. Mas meus alarmes começaram a tocar quando um funcionário da embaixada espanhola em Joanesburgo veio me dizer:

— O senhor ministro quer vê-lo e me pede para perguntar se você poderia jantar com ele esta noite.

Naturalmente, eu disse que sim. E desde aquele instante começou a me cair mal o jantar ao qual ainda nem havia ido.

Quando cheguei ao reservado onde acreditava que o ministro estava me esperando para dar a grande bronca, me encontrei em uma mesa ao redor da qual havia pelo menos dez pessoas. Pensei comigo mesmo: “O ministro quer isentar-se de qualquer responsabilidade chamando-me a atenção diante de testemunhas por haver tomado o seu lugar sem ser autorizado a fazê-lo.”

Mas não foi assim. Juan Carlos Aparicio Pérez, que foi um bom ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, veio a mim, apertou minhas mãos com força, e adivinhando meu estado de espírito, disse:

— Não se preocupe. Você fez muito bem. Eu pedi a gravação de suas palavras e as ouvi. E quero te dizer que você deixou o nome da Espanha na melhor posição para que possamos, a partir de amanhã, defender a nossa posição com maior força e autoridade. Além disso, depois do que Fidel Castro disse sobre a sua exposição, quem poderia duvidar do quão oportuna ela foi? Então sente-se e vamos jantar com tranquilidade.

Mas a história não termina aqui.

No dia seguinte, vários membros da nossa delegação e eu estávamos dando um passeio por uma das ruas de Durban, quando fomos surpreendidos pelas sirenes de umas motos enormes em que montavam quatro policiais, duas na frente e duas atrás de um grande carro preto. A fim de não sermos atropelados, nos refugiamos no acesso de entrada de um grande hotel, em cujas portas estávamos. Acontece que o mandatário que estava tão bem escoltado dirigia-se justamente para aquele hotel, e o carro parou quase em frente dos nossos narizes. Dele saiu Fidel Castro, que imediatamente foi cercado por sua escolta pessoal para entrar no hotel.

— Senhor Presidente, Senhor Presidente! – Eu disse, levantando a voz a fim de chamar sua atenção, no que obtive sucesso, porque Fidel Castro parou e ficou me olhando surpreso. – Senhor Presidente, desculpe a interrupção. Eu sou o cidadão espanhol que falou ontem no plenário da Conferência e gostaria de aproveitar a oportunidade de tê-lo tão perto para agradecer por suas palavras. Realmente, senhor Presidente, muito obrigado.

Então aconteceu o que eu nunca poderia ter imaginado. Fidel Castro me esquadrinhou com os olhos, afastou com a mão a escolta que se interpunha entre nós e disse:

— Bem, bem, o homem, é que me impressionou muito o que você disse. Então você é cigano? Venha comigo que eu quero falar com você.

Ele fez um gesto para que os guardas me deixassem passar e, me tomando pelo braço, entramos juntos no hotel, onde tranquilamente tivemos uma agradável conversa. Ele me perguntou um sem-número de coisas sobre os ciganos ao mesmo tempo em que me fez conhecer seus sentimentos em relação a nossa cultura e nossa maneira especial de entender e valorizar a liberdade.

Descanse em paz e que Deus possa perdoá-lo, como a todos nós, pelas coisas ruins que possamos ter feito ao longo de nossas vidas.

Juan de Dios Ramírez-Heredia
Advogado e jornalista
Presidente da Unión Romani.


Traduzido para o português por Mikka Capella.

sábado, 26 de novembro de 2016

A DEUSA HÉCATE



Deusa Lunar do conhecimento velado, das transições e das mudanças, com poder no Céu, na Terra, no Mar, e também no Hades; patrocinadora de riquezas, das honras, da vitória e das boas e rápidas viagens; protetora dos recém-nascidos, conselheira dos mortais, já que é a dona das estradas e das encruzilhadas duplas e triplas, e de todas as entradas (estes quatro pontos simbolizam o curso e as opções da vida humana); assistente de todos os decretos e de cada cerimônia de purificação.

De acordo com as diferentes versões mitológicas, a Deusa Hécate parece ter nascido:

1. Da Deusa Noite (Baquílides, fragmento 1Β, «Εκάτα δαϊδοφόρε, Νυκτός μεγαλοκόλπου θύγατερ» “Hécate, portadora do archote, filha da Noite de amplo seio”); 

2. Dos titãs Perses e Astéria (de acordo com: Teogonia, de Hesiodo, vv.409-411; Hino Homérico a Deméter; Pseudo-Apolodoro 1.8; Licofrão de Cálcis 1174; entre outros). Por isso é chamada Perseida, apesar de existir uma versão na qual se indica Zeus como seu pai; 

3. De Zeus e Astéria (nos informa Museu de Atenas, de acordo com o comentário de Apolônio de Rodes);

4. De Aristeu (Ferécides de Siro, de acordo com o comentário de Apolônio de Rodes);

5. Da deusa Deméter (comentário de Apolônio de Rodes 3.467);

6. Da deusa Leto (de acordo com Eurípides);

7. De Zeus e Feraia, filha de Éolo (que a abandonou em uma encruzilhada tripla, de acordo com o comentarista Teócrito), e por isso recebe o epíteto “Feraia”; 

8. De Zeus e Deméter – que inclusive ajudou a encontrar sua irmã Perséfone;

9. De Zeus e Hera;

10. Dos titãs Céos (ou Coio) e Febe, tendo como irmãs as deusas Leto e Astéria; 

11. Do Tártaro.

A soberania mitológica da deusa Perseida (Hécate) no Céu, na Terra e no Mar foi exercida desde a época dos titãs, muito antes da Titanomaquia, na qual o poder foi assumido pelos deuses vencedores. Zeus, na verdade, a honrou como sua própria filha por participar do conflito ao lado dos Deuses, e confirmou seus domínios pré-existentes. Ela, por sua vez, voltou a ajudar os deuses do Olimpo na Guerra contra os Gigantes (Gigantomaquia), na qual matou o Gigante Clício, batalhando ao lado de sua mãe, a Noite (Nykta). 

ETIMOLOGIA DO NOME

O nome da Deusa deriva do advérbio “ekas” «εκάς» que quer dizer longe, e do «εκάθεν» = remoto.  No dicionário Liddell & Scott, define-se como “Aquela que vai até o fim”, isto é, a que alcança os limites.

Uma etimologia possível do nome também é aquela que vem do «εκάτερος», que quer dizer cada um dos dois, não juntos, mas separados (que é o contrário de «αμφότεροι», que quer dizer ambos). Neste caso se destaca o duplo vínculo da Deusa com o mundo dos vivos e com o dos mortos.

O CARÁTER DA DEUSA

O grande número de nomes que derivam do nome de Hécate que encontramos na região de Cária, na Ásia Menor, (ex.: Hecateu – aquele que pertence à Hécate, Hekatomnus, etc.) nos mostra um caráter bem diferente e sem relação com os elementos obscuros que foram falsamente atribuídos à Deusa pelo ocultismo da Antiguidade Tardia.

Na região da Trácia, Ela foi honrada especificamente como o lado feminino do deus Hermes, protetor dos limiares, das portas das casas, da cidade e dos templos (os nomes Pileu e Propileu vêm da palavra Pyli = porta), das ruas e das encruzilhadas duplas e triplas (Hódios e Enódios também são outros nomes de Hermes), o qual, em alguns casos, se apresenta com três ou quatro cabeças (Três cabeças em referência à natureza ternária do logos filosófico; ou quatro cabeças em referência ao seu caráter polivalente – de acordo com Eustácio de Tessalônica, comentarista de Homero). 

Ela compartilhou da natureza de Hermes como condutor de almas (psychopompos), como também o poder dele nos quatro níveis (de acordo com Eustácio de Tessalônica, comentador de Homero: “Hermes Ctônio é Celestial, Μarítimo, Subterrestre e Condutor de Almas”).

Esta natureza hermética da Deusa foi adotada em várias regiões gregas, tendo absorvido, em muitas delas, características da deusa Ártemis ou da deusa Selene (como vemos em Ésquilo), ou ainda da deusa Nêmesis, com a qual tem, de fato, muitas semelhanças. Nos dois últimos casos, se adicionarmos o elemento supersticioso que havia nas regiões mais rústicas e as diferentes religiões que existiam no mundo helênico, a Deusa será associada à magia.

Em outros casos, a Deusa Hécate foi identificada com Deméter, Rhéa e Perséfone, e durante o período helenístico e romano de Creta foi identificada com Diktynna.  Depois do período clássico, a Deusa começou a ser representada como triforme, quer dizer, com três faces/rostos, acompanhando as representações do deus Hermes.  

Um culto sacrílego da Deusa é invocado durante a Antiguidade Tardia, vindo especialmente de feiticeiros orientais, necromantes e também de “teurgos” vulgares, como suposta divindade da magia e das artes necromânticas
(adivinhação por meio dos mortos/com invocação aos mortos), por causa do sincretismo com a deusa sumeriana Ereshkigal, que nós encontramos identificadas (Hécate-Ereshikgal) numa invocação em um papiro mágico do quarto século da nossa era.

No mesmo nível, mas com origem nas superstições populares e no folclore, vem a correlação Dela com o suposto fantasma “Empusa”, ou Lâmia ou Mormo («Έμπουσα» ή «Λάμια», ή «Μορμολύκειον»), ou também algumas referências ao seu nome em placas mágicas de imprecação. Não há, no entanto, nenhum registro acerca de personagens históricas que A adorassem como uma divindade obscura dos feiticeiros e das bruxas.

SANTUÁRIOS E OFERTAS

A origem de Seu culto é puramente helena e vem pelo menos de antes do século IX a.E.C., já que na Teogonia de Hesíodo (versos 416-420) nós podemos ler o seguinte: “ΚΑΙ ΓΑΡ ΝΥΝ, ΟΤΕ ΠΟΥ ΤΙΣ ΕΠΙΧΘΟΝΙΩΝ ΑΝΘΡΩΠΩΝ ΕΡΔΩΝ ΙΕΡΑ ΚΑΛΑ ΚΑΤΑ ΝΟΜΟΝ ΙΛΑΣΚΗΤΑΙ, ΚΙΚΛΗΣΚΕΙ ΕΚΑΤΗΝ. ΠΟΛΛΟΙ ΤΕ ΟΙ ΕΣΠΕΤΟ ΤΙΜΗ ΡΕΙΑ ΜΑΛ’, Ω ΠΡΟΦΡΩΝ ΓΕ ΘΕΑ ΥΠΟΔΕΞΕΤΑΙ ΕΥΧΑΣ ΚΑΙ ΤΕ ΟΙ ΟΛΒΟΝ ΟΠΑΖΕΙ, ΕΠΕΙ ΔΥΝΑΜΙΣ ΓΕ ΠΑΡΕΣΤΙΝ” (Hoje ainda, se algum homem sobre a terra com belos sacrifícios conforme os ritos propicia e invoca Hécate, muita honra o acompanha facilmente, a quem a Deusa propensa acolhe a prece; e torna-o opulento, porque ela tem força – tradução de J.A.A. Torrano em Teogonia: A Origem dos Deuses. Iluminuras, 2009.).   

Além disso, o autor William Berg “terminou” a questão da origem da Deusa em 1974, quando escreveu e apresentou o conhecido artigo “Hecate: Greek or Anatolian?” no periódico “Numen” (volume 21, fasc. 2, pp. 128-140).

Na Trácia, como dissemos anteriormente, simplesmente foram adicionados ao Seu culto alguns aspectos herméticos. O culto heleno a Hécate fortaleceu-se mais na região de Cária, absorvendo todos os cultos nativos relacionados a Ela, na época do rei Hecatomno (regência 391-377 – cujo nome se deriva do nome da Deusa e nos explica porque seu culto foi tão fortalecido), que foi sucedido pelo rei Mausolo (regência 377-351). Os mais importantes centros de adoração da deusa na região de Cária eram a pequena cidade de Lagina, da qual a deusa Hécate era padroeira e onde foi chamada “Salvadora, Máxima e Ilustríssima” e também na cidade vizinha de Lagina, Estratonicéia (que hoje é chamada de Eskihisar), que foi fundada pelo rei Antíoco I, o Salvador, na margem esquerda de um afluente do rio Meandros Marsias. O antigo nome de Estratonicéia era Idrias e, antes deste, Hecatésia (durante o reinado de Antonino Pio, os protetores da cidade eram a trindade Zeus Maior, Hécate Salvadora e Tyché [Sorte]).

A proeminente importância da Deusa na região da Cária durante os períodos helenístico e romano foi decisiva para levar muitas pessoas a crer que Seu culto tinha especificamente este local como berço. Houve também uma grande disseminação do culto de Hécate em diversos lugares da região da Frígia. O ponto de partida para todos eles, no entanto, são os períodos helenístico e romano.

Na ilha de Egina, esta Deusa tinha um templo muito importante. Pausânias o descreve em sua obra “Korinthiaka” da seguinte forma: “Hécate é a Deusa mais honrada entre os habitantes de Egina e uma vez por ano eles fazem uma cerimônia dedicada a ela, que, pelo que dizem, foi estabelecida por Orfeu, o trácio. Dentro do recinto existe um templo com o xoano [estátua de madeira dedicada a um Deus] que é obra de Miron, com um rosto e um corpo. Acho que Alcamenes foi o primeiro a esculpir três estátuas de Hécate unidas em uma, a qual os atenienses denominam Epipyrgidia [aquela que está entre as torres] e está instalada perto do templo de Athená Niké” (trecho 2.30.2).

Em Atenas, a Deusa tinha um templo no início do Caminho Sagrado [Iera Odos] e foi venerada em muitos cultos domésticos junto a Zeus, Héstia e Apolo. Neste culto doméstico, Hécate era provedora de prosperidade e boa sorte, sendo invocada sob o epíteto de Kallisti [A Melhor], e os habitantes faziam, uma vez por ano, uma grande festa com procissão e sacrifícios na região de Agra, em lembrança da vitória em Maratona. Se a nossa fonte não exagera, como observado por William Berg, existia na entrada da maioria das casas atenienses uma estátua da Deusa, que se chamava Hekataion ou Hekateion.
Nesta mesma época, outros importantes centros de culto da Deusa eram Esmirna, Halicarnasso, Heracléia do Latmos, Cnido, Trales, Argos (perto do Santuário dos Dióscuros, com uma estátua de mármore feita por Escopas e uma de bronze feita por Policleto), Bizâncio, Afrodísias (como Propylaia [protetora das entradas]), Rodes (também chamada de Propylaia, junto com Hermes Propylaios e Apolo Apotropaio [hediondo]), Cós, Epidauro, Andros, Titane de Sicião, Siracusa, Tasos (com estátuas e altares em três diferentes entradas da cidade), Selinunte (onde protegia a entrada do Santuário de Deméter Maloforos), Pireu, Cirene (onde Ela compartilhava seu templo com Hades e Perséfone) e, por fim, Samotrácia.

O objeto devocional mais antigo foi descoberto em Atenas e é uma pequena estatueta (eidolio) de terracota do século VI a.E.C., representando Hécate entronizada. Em muitas regiões havia o costume de oferecer, após a limpeza ritualística das casas, banquetes cerimoniais em honra à Deusa. Isto acontecia durante o período da noumênia (cerimônias feitas durante o primeiro dia da Lua Nova) em encruzilhadas de três vias (tríodes), com diversas comidas (como bolos de mel, ovos, peixes, etc.) os quais, naturalmente, eram consumidos pelos animais e pássaros noturnos (raramente, também, por pessoas atingidas pela pobreza, que esperavam por perto nestas ocasiões, o que era considerado um miasma [impuro]). Estas ofertas eram chamadas Hekataia ou Hekátea ou ainda Hekatísia, os Jantares de Hécate.

Um Templo da Deusa Hécate foi erguido no século V a.E.C. na entrada da cidade de Mileto, onde Ela era honrada por uma trupe musical especial e possuía dois altares (um do século VI, outro do século I a.E.C.) e seu culto estava associado ao do deus Apolo, em Dídimos, com uma procissão que começava em Mileto e terminava no santuário e oráculo dos Gêmeos. Nesta procissão havia dois objetos misteriosos, um dos quais consistia numa coroa que era lavada com vinho puro (sem adicionar água, coisa que se costumava fazer durante as festividades para que os presentes não ficassem bêbados) e depositada diante da estátua de Hécate, nas “portas da frente”, enquanto o outro objeto era encaminhado para o interior do templo de Apolo. O primeiro peã da procissão era dirigido à Deusa Hécate.

Os símbolos da Deusa são os dois archotes, o strophalos hecatino, a chave (que fecha as portas para os perigos e abre para as bênçãos) e o punhal. Seu animal sagrado
é o cão de guarda (como é também o da Protetora dos Partos, a deusa Ilithyia Genetyllida) e suas árvores sagradas são o carvalho, a aveleira, o álamo negro (cuja dupla cor das folhas simboliza o duplo vínculo da Deusa com o mundo dos vivos e com o dos mortos) e o cipreste.  As ofertas dedicadas a Ela são o mel, sua flor sagrada, a abrótea, e o acônito (wolfsbane). O animal que se sacrifica a ela (iereio) é o touro negro (que era sacrificado em Atenas a cada Ano Novo), a ovelha negra e o cachorro negro (em Trácia, Samotrácia, Beócia, Macedônia e Cólofon da Jônia). Eustácio de Tessalônica, sacerdote cristão, nos transmite a informação controlada – por causa da sua condição – de que eram sacrificadas a Ela mainides (μαινίδες. Em grego moderno: tseroulas [τσέρουλα], espécie de peixe comum nos mares gregos e em todo o Mediterrâneo, costumeiramente preparado como petisco. Lembra vagamente a nossa sardinha.) com propósitos apotropáicos. Ele diz: “ΔΙΑ ΤΟ ΔΟΚΕΙΝ ΤΗΝ ΕΚΑΤΗΝ ΜΑΝΙΩΝ ΑΙΤΙΑΝ ΕΙΝΑΙ” (“Por causa da crença de que Hécate é a causa dos frenesis.”).

Os epítetos e títulos pelos quais a deusa Hécate é invocada são: Angelos ou Angelia (mensageira), Apotropaia (aquela que afasta o mal), Dadoukhos (portadora das tochas), Einodia ou Enódia (das ruas/caminhos), Hegêmone, Thirobromos (aquela que é anunciada com rugidos e uivos das bestas), Kleidoukhos ou Kliidoukhos (A que traz as chaves), Kourotrophos (aquela que cuida das crianças), Krokopeplos (que usa peplo amarelo), Lampadiphóros (Portadora de Velas), Nocturia ou Nyktipolos (aquela que perambula durante a noite por vários lugares), Phýlax (Guardiã), Pylaia (que esta nas portas = pyles) e Prothyrea (como no hino de Proclus devotado à Hécate e Jano), Skylakitis (acompanhada por cães), e Skylakagetis (que lidera os cães), Soteira (Salvadora), Tauropolos (que domestica os touros), Triaukhenos e Trikefalos (que tem três pescoços e três cabeças), Trioditis (que protege as três vias/encruzilhadas), Iixikhthon (que rasga a terra), Philérimos (que gosta da solidão) e Ouresiphoitis (Solitária. Como caminham solitários os espiritualmente rústicos em meio à multidão), Phosphoria (A que traz a luz; A que tem nas mãos a aurora boreal), Khthonia (Subterrânea), e muitos outros. 

O Hino Órfico dedicado a Ela nos diz:

“ΕΙΝΟΔΙΑΝ ΕΚΑΤΗΝ ΚΛΗΪΖΩ, ΤΡΙΟΔΙΤΙΝ, ΕΡΑΝΝΗΝ, ΟΥΡΑΝΙΑΝ, ΧΘΟΝΙΑΝ ΤΕ ΚΑΙ ΕΙΝΑΛΙΑΝ, ΚΡΟΚΟΠΕΠΛΟΝ, ΤΥΜΒΙΔΙΑΝ, ΨΥΧΑΙΣ ΝΕΚΥΩΝ ΜΕΤΑ ΒΑΚΧΕΥΟΥΣΑΝ, ΠΕΡΣΕΙΑΝ, ΦΙΛΕΡΗΜΟΝ, ΑΓΑΛΛΟΜΕΝΗ ΕΛΑΦΟΙΣΙ, ΝΥΚΤΕΡΙΑΝ, ΣΚΥΛΑΚΙΤΙΝ, ΑΜΑΙΜΑΚΕΤΟΝ ΒΑΣΙΛΕΙΑΝ, ΘΗΡΟΒΡΟΜΟΝ, ΑΖΩΣΤΟΝ, ΑΠΡΟΣΜΑΧΟΝ ΕΙΔΟΣ ΕΧΟΥΣΑΝ, ΤΑΥΡΟΠΟΛΟΝ, ΠΑΝΤΟΣ ΚΟΣΜΟΥ ΚΛΗΪΔΟΥΧΟΝ ΑΝΑΣΣΑΝ, ΗΓΕΜΟΝΗΝ, ΝΥΜΦΗΝ, ΚΟΥΡΟΤΡΟΦΟΝ, ΟΥΡΕΣΙΦΟΙΤΙΝ, ΛΙΣΣΟΜΕΝΟΣ ΚΟΥΡΗΝ ΤΕΛΕΤΑΙΣ ΟΣΙΑΙΣΙ ΠΑΡΕΙΝΑΙ ΒΟΥΚΟΛΩι ΕΥΜΕΝΕΟΥΣΑΝ ΑΕΙ ΚΕΧΑΡΗΟΤΙ ΘΥΜΩι”.

(“Enódia Hécate celebro, Trívia [Trioditis], amável, celeste, terrestre e marinha, do cróceo véu [Krokopeplos], tumular, celebrando baqueus entre almas de mortos, filha de Perses [Perséia], amiga do ermo [Philérimos], que se ufana com cervos, noturnal [Nocturia], protetora dos cães [Skylakitis], rainha inflexível, do frêmito feral [Thirobromos], sem armas, de forma incombatível, pastora de touros [Tauropolos], soberana detentora das chaves de todo o cosmo [Kleidoukhos]], Hegêmone, ninfa, nutriz de jovens [Kourotrophos], andarilha das montanhas [Ouresiphoitis]. Suplico, donzela, que compareças aos consagrados ritos, benfazeja ao boiadeiro e sempre com um grato coração.” – Tradução de Rafael Brunhara, disponível em: http://primeiros-escritos.blogspot.com.br/2012/10/hino-orfico-1-hecate.html.)

A HÉCATE DOS ROMANOS


A equivalente romana de Hécate é a Deusa Trívia, (ou seja, das três vias, Trioditis).  Como Seu culto foi absorvido pelos romanos já na Antiguidade Tardia, Ela também foi objeto de superstições (quer dizer, de uma equivocada percepção obscura dos Deuses), que advém da percepção popular/folclórica ou de feiticeiros e “teúrgos” vulgares. Além disso, a imagem repulsiva Dela, como um monstro que provoca terror, não é mais que uma criação da literatura romana tardia. Em contraste, a Deusa foi venerada pela aristocracia de Roma com grande piedade até o século IV E.C., havendo sacerdotes que adotaram Seu nome heleno, assim como o nome do deus Dioniso (CIL[1] XI 671, CIL VI 500, 504, 507, 510, 1675 e 31940). 

Vlassis G. Rassias, Março de 2015.

Traduzido para o português por: Emilia Arsinoe.
Revisado por: Mikka Capella e Jota Oliveira.
Originalmente publicado em: http://rassias.gr/1087HECATE.html



[1] Corpus Inscriptionum Latinarum.




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

DOGMA X FUNDAMENTO


Ultimamente venho observando como algumas palavras que caem no vernáculo popular acabam se distanciando de seu sentido original para assumir outro, no mais das vezes muito diferentes. Um exemplo no qual bato bastante diz respeito à palavra “opinião”, que não é e nunca foi essa conclusão rasa, no mais das vezes sem base alguma, que a maior parte das pessoas assume como certa. Outro exemplo é a palavra “preconceito”, que de uma ideia pré-concebida, um conhecimento especulativo que todos nós possuímos sobre um ou outro assunto (afinal ninguém sabe tudo sobre tudo), muitas vezes assume o sentido de discriminação e até ofensa.

Outra palavra parece estar sofrendo ressignificação parecida, especialmente em determinados nichos virtuais identificados com religiosidades pagãs, cristo-pagãs e, sobretudo, com a prática da bruxaria: “dogma”. Quem acompanha, mesmo que a certa distância, como eu, esses nichos, já deve ter percebido que ele é regido por ondas, modas que vão e vêm. De uns tempos para cá, parece que uma dessas ondas se traduz na expressão “a bruxaria não possui dogmas”, que sintetiza crenças em torno de uma prática mágica/religiosa absolutamente livre de regras de qualquer tipo... Este, aliás, parece ser, para além do assunto em pauta, o grande lema do zeitgeist destes tempos – a ausência de regras. Seria ótimo se a vida realmente pudesse ser assim, não seria?


Divagações a parte, a finalidade deste artigo é discutir o uso específico da palavra dogma dentro do contexto apresentado, que revela um desconhecimento não apenas semântico, mas também teológico. Teologia esta que, como já observado em outras ocasiões, parece ser uma das principais carências das espiritualidades pagãs, neopagãs e cristo-pagãs que se apresentam na internet (vide Olhar Pagao - Uma Outra Leitura do Mundo).


Comecemos pelo sentido semântico de dogma. A palavra tem origem grega (δόγμα) e significa, literalmente, “o que se pensa é verdade”. Grosso modo, poderíamos considerar “dogma” um equivalente semântico para outra palavra de origem grega, “axioma” (ἀξίωμα), que significa “considerar válido”. O axioma é uma designação filosófica para algo que pode ser considerado verdadeiro sem a necessidade de ser provado. Dogmas são axiomas ideológicos, pontos fundamentais de uma doutrina, religiosa ou não, impassíveis de contestação ou discordância. Para a Igreja Católica, o dogma é uma revelação divina. Um exemplo de dogma católico é a crença da Santíssima Trindade, por exemplo, “um só Deus em três pessoas”, que, a própria religião admite, é um mistério que não pode ser racionalmente explicado.


Então eu seria a primeira pessoa a concordar com a expressão – “a bruxaria não tem dogmas”. Aliás, vou mais longe – os paganismos não têm dogmas. As religiões pagãs são extremamente práticas e voltadas para as realidades cotidianas, quase nunca têm espaço para divagações cósmico-transcendentais, distantes demais para serem compreendidas. Será que isso, no entanto, é a mesma coisa que dizer – “a bruxaria não tem regras” ou “os paganismos não têm regras”? Será que vale tudo, absolutamente qualquer coisa que a mente humana for capaz de conceber? Afinal, estamos falando de formas espirituais de conceber o mundo e a realidade ou das divagações e anseios da nossa própria mente?


Nem toda regra é um dogma. Quando nós somos jovens demais para compreender os perigos do mundo, geralmente ouvimos de algum adulto – “ei, não ponha as mãos no fogo!” Certamente há um motivo lógico e perfeitamente compreensível para isso. Se puser as mãos no fogo, a gente se queima. Da mesma forma, ninguém que não esteja a fim de morrer pula de um prédio de dez andares... Você pode ser a melhor pessoa do mundo e se achar muito querido pelos seus Deuses; você pode até se considerar o bruxo super-foda-pica-das-galáxias, mas, se fizer isso, vai se esborrachar no chão, porque existe uma coisa chamada gravidade que age sobre tudo, inclusive eu e você.


Será que o calor do fogo é um dogma? Será que a gravidade é um dogma? O que nos impede de voar, como os pássaros?


Não, nem toda regra é um dogma. Bruxaria pode não ter dogma, mas com certeza tem regras. E uma palavra muito boa para essas regras é “fundamentos”. A bruxaria, como qualquer arte e ciência, tem técnicas e fundamentos. As coisas não são feitas do jeito que são porque alguém, um dia, acordou e decidiu que seriam assim. Da mesma forma, quando se diz que algo é perigoso ou que não deve ser feito de determinada maneira, isso também não é sem motivo ou “por revelação divina”. Como diriam os mais velhos: tudo tem um quê e um por quê. E é uma atitude no mínimo saudável procurar estar ciente dos quês e dos por quês do caminho que você decidiu trilhar.


“Ah, mas existem diferentes tradições e formas de trabalho”, dirão alguns. Não é sobre isso que estamos falando. É claro que existem muitas e diversas tradições. A questão é: qual é a sua tradição e forma de trabalho? Quais são os fundamentos dessa tradição? Essa é uma pergunta para a qual muitos não têm resposta.


“Sou independente”, dizem uns. “Não gosto de rótulos”, dizem outros. Ninguém é independente, na verdade. Ninguém cultua Deuses tirados da própria cabeça (bom, alguns sim, mas sem comentários...), ninguém opera magia em um universo criado por si mesmo. Então vamos parar de nos iludir?


A bruxaria pode ser sem dogma, o que ela não pode ser é sem fundamento. Bruxaria sem fundamento também não tem referência, não tem compreensão, não tem entendimento e, por fim, não tem força. É apenas um bonito – ou não – enfeite para as redes sociais.


Em outra oportunidade, discutiremos sobre a palavra “heresia”, outro modismo dos círculos virtuais pagãos, neopagãos e bruxos, e como ele, no contexto de um mundo secularizado, simplesmente não faz sentido.