segunda-feira, 28 de abril de 2014

NOSSA SENHORA DO PARQUE DAS ÁGUAS


Desde a primeira vez que estive em São Lourenço, no final de 2010, fiquei intrigado com a imagem que se destaca num canto um pouco mais isolado do Parque das Águas, onde paira uma atmosfera diferente, perceptivelmente especial. Há ali uma plaquinha que diz "Nossa Senhora dos Remédios" e aos seus pés espalham-se centenas de plaquinhas de agradecimento por graças alcançadas, feitas dos mais diversos tipos de material. 

A imagem em si, cravada num nicho de pedra na parte mais alta do Parque, não se parece com nada que eu já tenha visto antes. Retrata uma mulher de aparência jovem, usando uma espécie de túnica azul com um capuz e as mãos espalmadas. A mim, que sou um eterno interessado pelas manifestações do divino, aquilo chamou a atenção de maneira irremediável. Ora, num parque municipal em que existem nada menos que nove fontes de água mineral, todas elas medicinais, não me pareceu tão estranho que houvesse um santuário dedicado à Nossa Senhora dos Remédios. Mas por que ali, longe de qualquer igreja ou altar oficial, tantas placas de devoção e agradecimento? Era isso o que me chamava a atenção. E estava claro para mim que, naquele lugar especial, aquela era uma imagem milagrosa. 



Em vão, procurei pelas lojas da cidade uma que vendesse réplicas da tal imagem. Era de se esperar que uma Nossa Senhora tão procurada e agraciada por seus milagres tivesse réplicas nas lojas locais... Mas não havia nada. 

Agora, quatro anos depois, eu voltei a São Lourenço e a imagem de Nossa Senhora dos Remédios ainda estava lá, observando, plácida, a paisagem do alto de seu nicho de pedra, cercada por centenas de placas, e imitações de partes do corpo humano feitas de cera.

Outra vez fiquei intrigado. Outra vez busquei nas lojas de artesanato locais uma réplica daquela imagem. Depois de quase desistir, finalmente encontrei a lojinha de uma senhora portuguesa, muito simpática, especializada em santos católicos. Entrei, perguntei por Nossa Senhora dos Remédios e ela me trouxe uma pequena imagem de resina que em nada se parecia com aquela que há no Parque das Águas.

   
Enfadado, eu disse: ― Mas esta não é a imagem que está no Parque das Águas.

Ao que ela, prontamente, respondeu: ― É porque aquela lá não é Nossa Senhora dos Remédios.

A princípio, fiquei em estado de choque e por alguns segundos não fui capaz de dizer coisa alguma. Passados alguns instantes, e ainda segurando a imagem "oficial" da Nossa Senhora dos Remédios, finalmente voltei a mim e perguntei: 

― Então quem é aquela lá?
― Esta é uma história longa ― ela disse.
― Tenho tempo. A senhora pode me contar?

E foi assim que puxei uma cadeira dentro da loja e me sentei com aquela simpática velhinha portuguesa para ouvir a história que ela soube diretamente do antigo - e falecido - proprietário do Parque das Águas de São Lourenço. 

Aconteceu que aquele senhor, cujo nome me esqueci, fundou o Parque muitos anos atrás e tinha tido a intenção de fazê-lo dedicado aos amantes, aos namorados. É por causa disso que na ilhazinha que existe no meio do lago, onde passeamos de pedalinho, um portal metálico em forma de coração recebe os visitantes e antecede uma belíssima estátua de Eros, o deus grego do amor. Ao falar de sua intenção com um amigo de Portugal, que era um escultor e artista plástico, este lhe disse: "então eu vou fazer um bonito casal de namorados e mandá-lo de presente para você, aí no Brasil, para ajudá-lo a decorar seu novo parque.

E assim foi feito. O amigo português do antigo (e também português) dono do Parque das Águas esculpiu em cerâmica um bonito casal de namorados e mandou para o Brasil, de barco. Mas no meio da viagem, em alto mar, o homem quebrou...

Quando as esculturas chegaram e o senhor descobriu o que havia acontecido durante a viagem, ele se perguntou: "e agora, o que eu faço?" Decidiu, por fim, e em consideração ao amigo, colocar apenas a mulher. Mandou fazer um nicho de pedra e fixou ali a namoradinha, vinda de Portugal.

Em menos de uma semana, surgiu, ninguém sabe dizer como, a primeira placa de agradecimento à "Nossa Senhora dos Remédios". Muito devoto, o senhor, antigo dono do Parque, não quis mexer e deixou aquela plaquinha lá. Foi quando outras começaram a aparecer, e mais outras. Em pouco tempo, um infinidade de placas votivas cercavam os pés da estátua, exatamente como hoje. De tempos em tempos, algumas dessas placas são recolhidas para dar lugar a outras, que não tardam a chegar. Então o antigo dono do Parque, que hoje pertence à prefeitura de São Lourenço, chegou a seguinte conclusão: "quer saber? Que seja, então, Nossa Senhora dos Remédios!" E assim é até os dias de hoje. 


Poucas pessoas, inclusive em São Lourenço, conhecem essa história que acabo de contar. Nossa Senhora dos Remédios permanece sendo, como o próprio mar, uma fonte de segredos e milagres, escondida da serenidade sobrenatural do Parque das Águas. 

Da última vez que estive lá, em 2010, não me lembro de ter visto isso, mas agora, em 2014, quando me virei para ir embora, deparei, exatamente de frente para o nicho de pedra onde está Nossa Senhora dos Remédios, com uma forma sua mais antiga...

Tétis, deusa do mar primordial, mãe dos rios e das nascentes. 
E naquele momento em que finalmente A reconheci e compreendi o Seu mistério, lágrimas salgadas me escorreram pelas faces, exatamente como as águas medicinais, magnesianas, sulfurosas e ferruginosas, escorrem pelas fontes que se espalham, abundantes, pelo Parque.