Amanhã, dia 8 de abril, é o Dia Internacional dos Povos Ciganos. Eu gostaria de dizer algumas palavras sobre este dia e vou fazer isso hoje porque não sei se amanhã vou ter tempo...
Essa data é celebrada desde o dia 8 de abril de 1971, antes mesmo da fundação da International Romani Union, em 1978, como resultado do primeiro Congresso Mundial Romani, realizado em Londres. Entre outras questões, os congressos, que acabaram resultando na fundação de uma entidade ligada à ONU, tinham como objetivo desfazer os diversos estigmas sociais que pesam sobre a comunidade romani, não apenas na Europa, mas no mundo todo, e servem para justificar toda a sorte de preconceito e injustiça social.
Durante séculos, os povos romani, também chamados "ciganos", encontraram como forma de se proteger em uma realidade extremamente hostil e excludente o segredo. Protegeram a sua língua, como uma forma de se comunicar à qual os gadjé (não-ciganos) não deveriam jamais ter acesso, e conversavam sobre suas particularidades usando principalmente essa língua, secreta e proibida, que em Portugal foi chamada “geringonça”. Hoje, com toda a complexidade que vem junto com um mundo globalizado, que se debruça ostensivamente sobre as questões dos direitos humanos, existe outro entendimento - apenas a informação pode salvar os povos romá da extinção.
Não mais o mistério e o segredo que sempre caracterizaram os ciganos, por trás de olhos negros e saias coloridas, mas a exposição de uma cultura humana, rica com suas falhas e belezas, complexa e dona de uma historiografia extensa e ainda pouco estudada. A única forma de combater os estigmas sociais, todo o preconceito que, no curso de um milênio, formou-se sobre nós, é expor a nossa verdade e, assim, mostrar ao mundo que existimos. Sair da invisibilidade. E é neste sentido que a maior parte dos esforços ao redor do mundo estão se orientando hoje... Exceto no Brasil.
Aqui no Brasil formou-se uma consciência mítica, eu diria mesmo religiosa, em torno do que é ser cigano. Existe uma espiritualidade brasileira que trabalha com entidades espirituais que teriam sido ciganas quando foram pessoas vivas. Da mesma maneira que essa espiritualidade trabalha com entidades que teriam sido indígenas e negros africanos quando vivos, mas apenas sobre os ciganos formou-se uma aura mística que os coloca em um nível quase lendário, desprovido de existência real e humana.
Dentro deste universo, são costumeiramente promovidos eventos e festas temáticas sob o pretexto de “ajudar a divulgar a cultura cigana”, mas no interior dos quais cada estigma social e estereótipo que recai sobre nosso povo é lamentavelmente mantido e perpetuado. Inclusive com o endosso de algumas pessoas ciganas, que sabem a verdade, mas naquele momento preferem tirar vantagem – seja por meio de um modo de ganhar a vida (geralmente música e oráculos) ou meramente o encantamento dos olhares bajuladores, que enxergam pessoas como nós como se fôssemos de outro mundo. Pessoas essas que algumas vezes se dizem muito tradicionais e se acham dignas de subir em um pedestal, de onde podem julgar e apontar o dedo para outros ciganos, que, como eu, talvez não sigam certos preceitos culturais (retrógrados e ultrapassados, como machismo e homofobia) à risca, mas jamais venderam a cultura e o legado de seus ancestrais, nunca ganharam com toda essa sujeira uma moeda sequer e continuam se recusando a prestar endosso a algo que, coletivamente, vem prejudicando a todos nós.
Então eu gostaria de, por este dia, parabenizar APENAS aos romá brasileiros que NÃO se venderam. Os romá que procuram levar uma vida digna e jogar luz sobre a existência de nosso povo sem colaborar com a manutenção e propagação de estereótipos nocivos e equivocados. Aos romá que nunca mudaram de lado e jamais aceitaram vender sua própria cultura, o legado de seus ancestrais, por trocados e alguma bajulação gadjé. Porque existem aqueles que ontem condenavam o circo que hoje os aplaude e paga suas contas... Sobre esses, eu desejo, sinceramente, que recaia a maldição dos nossos ancestrais, e que a sorte os abandone como a dignidade, que há muito já se foi.
O Diel thie avén amentsá!