O Nascimento da Via Láctea. Peter Paul Rubens (1636). |
A hora do parto de
Alcmena havia chegado. No Olimpo, o grandioso Zeus ofereceu um opulento
banquete e, na presença de todos os Deuses, anunciou que naquela noite nasceria
um filho seu, da linhagem de Perseu, que governaria sobre todos os demais.
Hera, ao ouvir aquilo,
apertou a taça de ambrosia em suas brancas mãos, furiosa. Então Zeus havia
traído seus votos matrimoniais uma vez mais e, não satisfeito, esfregava a
vergonha em suas faces, enaltecendo o fruto de sua infidelidade diante de todos
os Deuses! Ela olhou, indignação transbordando, para a deusa Ate, que estava
sentada ao seu lado. Com um sorrisinho de canto de boca, Ate lhe deu uma
piscadela.
Hera, então, serviu-se
de outra taça de ambrosia, da bandeja de Hebe, sua filha mais jovem, e tomou a
palavra.
― Um brinde a sua
glória, meu Senhor!
Zeus, tão tremendamente
satisfeito e orgulhoso, apenas ergueu a sua taça para a divina esposa, embora a
atitude dela fosse, na melhor das hipóteses, suspeita em uma ocasião como
aquela.
― Então você, rei e
senhor dos deuses e dos homens, jura, pelas sagradas águas do Estige, que a
primeira criança da linhagem de Perseu que nascer esta noite será um rei e
governará sob todos os demais?
― Sim, é o que acabo de
dizer! ― disse Zeus.
Hera apenas sorriu e
puxou uma salva de palmas para o Soberano. Ato contínuo, convocou sua filha
mais velha, Ilíthia, deusa dos partos, com gesto de olhar, e ordenou-lhe que
voasse até a Terra para cumprir duas missões. Ocorria que em Micenas, após a
morte de Eléctrião, pai de Alcmena, o trono havia sido assumido por seu irmão,
Estênelo, que também era filho de Perseu e cuja esposa, Zeus ignorara
completamente, também esperava uma criança. Assim, Ilíthia veio à Terra para
retardar o nascimento do filho de Zeus e para acelerar o do filho de Estênelo.
De fato, a rainha Nícipe,
esposa de Estênelo, concebeu naquela mesma noite Euristeu, de apenas sete
meses, uma criança tímida e fraca. O bebê de Alcmena nasceu horas depois.
― E agora, meu Senhor? ―
Hera questionou. ― Nasceu Euristeu, de Micenas, a primeira criança da linhagem
de Perseu.
Zeus olhou para Ate, a
deusa do engano, que lhe sorria maliciosamente. Naquele momento tudo ficou
claro, ele havia caído no ardil. Furioso, pegou Ate pelos cabelos e a atirou do
Olimpo à Terra, banindo-a para sempre. Desde então, Ate vive entre os homens.
Quanto à Hera, Ela era sua rainha e ele havia jurado pelas águas sagradas do
Estige, um juramento que nem mesmo os Deuses podem quebrar.
Conternado, Zeus
declarou à assembléia dos Deuses:
― Euristeu foi a
primeira criança da linhagem de Perseu a nascer. Como prometi em nome das águas
sagradas do Estige, ele reinará. Meu filho, pelo contrário, nunca governará.
Servirá humildemente a Euristeu e terá a vida mais difícil. Ele sofrerá como
jamais se viu outro homem sofrer...
E Hera sorriu,
satisfeita. Zeus, entretanto, ainda não havia terminado.
― Mas ele também será
um herói acima de todos os outros, superando-os em seus feitos e glória. O
sofrimento de sua vida provará o seu valor e, ao final dos seus dias, ele
ascenderá ao Olimpo, morada Eterna dos Imortais, e a própria Hera, minha
senhora e esposa, deverá aceitá-lo como seu igual.
Hera assentiu com a
cabeça. Em seu gesto, resignação. Eu seu coração, a fúria de todos os Titãs
aprisionados no Tártaro perpétuo. “É o que veremos”, ela pensou. “Isso nunca
acontecerá, simplesmente porque seu filho, meu senhor, jamais chegará a se
tornar adulto o bastante para qualquer ato de heroísmo”.
Agora era a vez da
réplica de Zeus. Após uma eternidade, ele conhecia melhor que qualquer outro a
engenhosidade e o temperamento de sua divina esposa. Sabia que, naquele mesmo
momento, alguma coisa negra e terrível começava a tomar forma em seu coração.
Assim, convocou sua preferida entre os Deuses Eternos, Athená, Senhora da Sabedoria,
e lhe pediu o favor em um estratagema.
Na Terra, Alcmena havia
dado a luz dois meninos – um filho de Eléctrião, seu marido, outro filho do
grande Zeus. Enquanto ela dormia, Zeus colocou em sua mente o terror de que,
naquela mesma noite, Hera pudesse atentar contra a vida de seu filho. Desesperada,
Alcmena acordou, correu ao quarto das crianças e tomou o bebê, filho de Zeus,
nos braços. Esgueirando-se para ficar fora das vistas de qualquer pessoa, ela
deixou os muros do palácio de Tebas e caminhou até estar fora dos limites da
cidade. Deitou a criança sob os galhos viçosos de uma frondosa oliveira e rogou
à Athená que protegesse seu filho.
Athená, por sua vez,
convidou Hera para um passeio sob o pretexto de fazê-la espairecer a raiva do
divino esposo. Como se não tivesse qualquer intenção, guiou-a exatamente até a
oliveira em que sabia que Alcmena havia deixado a criança.
O bebê, naturalmente,
chorava de fome e frio. Hera, que acima de tudo é mãe e nutriz, cedeu ao
instinto e correu até a criança, pegando-a no colo.
― Que ser de escória
desalmada poderia ter deixado tão indefesa criatura abandonada ao relento desta
forma? ― Ela disse.
Athená, que observava a
cena com seus olhos gláucos, da cor do céu da alvorada, sugeriu que Hera o
amamentasse para aplacar sua fome. E, sem pensar, a deusa pôs o divino seio
para fora e ofereceu-o ao pequenino.
Tamanho era o apetite
da criança, que, em sua voracidade, acabou mordendo o seio de Hera. A dor aguda
fez a deusa afastar a criança bruscamente, deixando esguichar, ainda, um jato
de leite. Um pouco atingiu o céu, criando a Via Láctea, o restante caiu sobre a
terra, dando nascimento a uma flor perfumada, tão branca quanto o leite – o lírio.
Mas o que o pequeno
filho de Zeus havia tomado, mesmo sendo tão pouco, foi suficiente para nutri-lo
e fazê-lo forte além de qualquer possibilidade humana. Hera, finalmente,
compreendeu armadilha de Zeus. Tal como Ela O enganara, Ele A havia enganado.
Ao invés de matar o menino, a deusa o fizera indestrutível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário