A
augusta Senhora de Chipre vagava pelo mundo esfumaçado, triste e sem vida,
consumida por pranto e tristeza. Lágrimas salgadas molhavam sua bela face, como
as ondas molham a areia branca da praia. Num desses dias melancólicos, cuja
conta já se ia perdida em seu negro rosário de pérolas, Ela tropeçou na flor
rubra, que se erguia solenemente da terra morta. Uma gota escarlate sobre o
alvo cristalino da neve e o marrom escuro do chão.
Ela
se lembrou do dia fatídico, quando a caça fez de presa o Caçador. O sangue do Amado
regava os fartos seios de Gaia, espalhando-se entre os seixos na beira do rio.
Usando de Seu poder e de Sua divindade, Ela mesma o havia metamorfoseado
naquela flor, ao mesmo tempo um símbolo de pesar e de felicidade. Era ele, que,
de algum lugar nas profundezas, acenava-lhe com aquele sorriso ingênuo, mas
sempre encantador. Quase podia sentir o toque da pele morena e os beijos doces
dos lábios frescos, bobos, cheios de desejo.
Pela
primeira vez em meses, Ela se alegrou. Tirou as vestes negras do luto, procurou
as suas jóias, seus perfumes, convocou a comitiva das ninfas e foi para seus
banhos, ornar-se de beleza – o mais adorável fruto de Sua criação.
Ansiosamente,
esperava por Ele. Nua. A pele fresca, macia, ornada apenas de pérolas, gotas
cristalinas e conchas do mar.
Foi
então que, certa noite, quando os raios prateados de Selene tingiram de azul
cobalto a escuridão das matas, Ela ouviu o brado de Ártemis, caçadora,
esfuziante, pois o Gêmeo Ensolarado vinha vindo de seu longo retiro em
Hiperbórea. De fato, na manhã seguinte, o dia chegou em feixes radiantes de
luz. Apollo voltara, cálido, com seu arco e sua lira, a doce canção da vida –
que cura porque afasta o frio da morte.
Regina
quase não podia se aguentar de ansiedade. Finalmente o tempo do martírio havia
passado. E após o terrível sofrimento, cada esperança, cada vitória se tornava
um bálsamo exultante para a alma. Sempre surpreendente – e encantador – como o
fundo revela o topo; como a dor nos permite discernir o prazer; como a vida
precisa da morte e aquilo a que chamamos paradoxo não é mais que o outro lado
da moeda.
Durante
todo o inverno, os cães haviam perseguido o javali assassino dentro daquelas
matas. Em mais uma noite de espera, outro sinal – o uivo, seguido de ganidos
vitoriosos, denunciava o fim da caçada selvagem. O inimigo tombara. A carne de
seu corpo devastado agora alimentaria as necessidades irrefreáveis da terra.
De
uma fenda sob a Mirra, de caule resinoso e copa retorcida – o feio que exala
perfume, fim que é também recomeço – surgiu o Psicopompo, Hermes abençoado,
trazendo um rapaz em trajes negros pelas mãos. Ele se despiu, revelando formas
esplêndidas, seguida do aroma, ao mesmo tempo doce e amargo do amor.
As
ninfas, que o esperavam, fizeram uma mesura. Estavam prontas para guiá-Lo à sua
Rainha, que esperava na madrepérola das águas, cheias de luar.
Hades, agora
Adônis, não olhou para trás. Havia deixado um coração igualmente cheio de
saudade... Porque toda alegria tem também uma face de tristeza.
Ele
respondeu ao cumprimento das donzelas, mas dispensou a companhia. Sabia perfeitamente
o caminho. Além disso, elas não podiam acompanhar Seus passos. Apenas os cães,
velhos amigos, eram capazes de segui-Lo com a mesma graça e a mesma
impetuosidade rumo aos braços e abraços da Cípria, que O esperava cheia de
fulgor.
Em
um leito de abalone, Eles finalmente se encontraram. As ninfas escondidas nos
arbustos, como testemunhas daquelas núpcias divinas. Ele voltou. A vida
venceu a morte outra vez.
Nuvens
cobriram os céus e choveram de felicidade. Esses primeiros dias, assim, se
encheram da umidade de um amor repleto de saudade.
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